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Juventude franco-asiática online: construir uma identidade coletiva e lutar contra o racismo

HÉLÈNE LE BAIL & YA-HAN CHUANG  |  23 JUNHO 2021  |  EDIÇÃO 15  |  TRADUZIDO DO INGLÊS

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Página do Facebook do projeto de vídeo “Asiatiques de France” (“Asiáticos da França”).

Como em muitos outros países ultimamente, a nova onda de racismo contra os “asiáticos” estimulou novos discursos e ações coletivas para lutar contra as agressões racistas na França. Em comparação com a primeira geração de imigrantes asiáticos (principalmente chineses), que se mobilizou exclusivamente contra a violência e a insegurança, os jovens asiáticos de uma geração e meia ou de segunda geração enfatizam muito mais a questão do racismo. O que levou os descendentes de imigrantes asiáticos a expressar essa preocupação em particular no espaço público e a alterar o enquadramento de sua mobilização de “segurança pública” para “racismo”?

 

Para responder a esta questão, propomos uma análise focada na importância do uso das redes sociais e das atividades virtuais. Resumimos aqui os resultados de uma etnografia online respeitante a grupos de discussão pública e a produções artísticas: grupos do Facebook organizados em torno da questão da discriminação sofrida por asiáticos, bem como blogs, canais do YouTube e websites dedicados (ou parcialmente dedicados) a projetos relacionados com o assunto. Baseando-nos na etnografia e entrevistas com líderes de opinião, demonstramos como os descendentes de imigrantes asiáticos têm feito uso das redes sociais durante a última década para construir a sua identidade coletiva e defender uma nova causa — a de combater o racismo contra os asiáticos na França.

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“Quando o Facebook começou a tornar-se popular, muitos chineses do continente uniram-se a diferentes grupos. Existiam vários grupos a discutir a identidade. Novos grupos divulgavam mensagens como ‘Se você é de Wenzhou...’ ou outras palavras-chave que nos levavam a identificar-nos e a conectar-nos com o grupo. Era fácil gerir um fórum do Facebook como um fórum de discussão. Por exemplo, alguém poderia criar um grupo chamado ‘O que você acha da tontina?’ ou ‘Você não acha que os franceses nos insultam com muita frequência?’, etc. Começou a desenvolver-se em 2006. Existiam muitos grupos destes. Participei pessoalmente num grupo chamado ‘Wen [Wenzhou] na França’. Eu não conhecia ninguém, mas, depois de um certo tempo de conversação, finalmente organizamos um primeiro encontro e encontramo-nos pessoalmente... A uma certa altura, também entrei em contato com outro grupo chamado ‘Nouvelle Génération de Chinois en France’ (‘Nova geração de chineses na França’), e unimos os nossos recursos. (...) Então, deu-se um momento catalisador: os Jogos Olímpicos de Pequim. Foi uma época em que a China e os chineses suportaram suspeitas e ataques; fomos convidados a tomar uma posição. Estas experiências nefastas aumentaram a necessidade de pertencermos a um grupo porque todos sofremos os mesmos ataques. (…) Por causa destas experiências, começamos a pensar em fazer alguma coisa juntos.” (Entrevista com um membro fundador de uma organização da sociedade civil chinesa de segunda geração, 2018.)

 

Este trecho de uma entrevista ilustra o papel das redes sociais na conexão de descendentes de migrantes que partilham as mesmas dúvidas sobre a sua identidade e as mesmas experiências de discriminação. Ao longo da década de 2010, à medida que os imigrantes asiáticos se envolviam na mobilização pública, os seus descendentes começaram a criar fóruns e grupos de discussão — especialmente no Facebook e, posteriormente, no WeChat e no Twitter — onde podiam partilhar relatos das suas experiências. Estas redes sociais são lugares para transformar experiências individuais numa experiência coletiva. Em particular, há muitas trocas sobre a experiência de micro-agressões comuns ou formas disfarçadas de insultos raciais.

 

Em 2016, após o assassinato de um trabalhador migrante chinês nos subúrbios de Paris, a cidade testemunhou numerosas manifestações multitudinárias. A grande manifestação na Praça da Nação, no centro de Paris, foi uma oportunidade de ganhar visibilidade e foi um ponto de inflexão para muitos jovens participantes que já eram ativos na internet ou nas poucas organizações formais de descendentes de migrantes asiáticos, como a Associação de Jovens Chineses na França (Association des Jeunes Chinois de France, ou AJCF). Embora as discussões, a construção e a partilha de uma experiência coletiva “asiática” tenham começado mais cedo, esta demonstração foi um momento decisivo, a partir do qual se desenvolveram fóruns e produções artísticas online com o objetivo de desconstruir estereótipos e propor representações alternativas de asiáticos na França. Podem-se citar diferentes projetos disponíveis online, como a série online “Ça reste entre nous” (“Isso fica entre nós”, em tradução livre) de Grace Ly, o projeto fotográfico “Yellow is beautiful” (“Amarelo é lindo”, em tradução livre) ou a revista de sociedade Koi. 

 

Vamos concentrar-nos aqui no projeto Asiatiques de France(“Asiáticos de França”) que é um vídeo curto filmado poucos meses após o assassinato do trabalhador migrante chinês em Paris, um assassinato que foi considerado racista, uma vez que o homem foi alvejado por ser chinês. Inspirado por membros da comunidade teochew muito ativa em Paris (composta principalmente por chineses cambojanos), o vídeo foi dirigido por uma jornalista franco-vietnamita e teve como objetivo reunir franceses famosos de origem asiática: atletas, artistas, investigadores, chefes, etc. Os participantes descrevem um dos muitos estereótipos e agressões que ouviram e vivenciaram enquanto asiáticos e, na segunda parte do vídeo, cada um aparece novamente, dizendo “Eu sou francês” enquanto a sua atividade profissional é exibida na parte inferior da imagem. Como referiu nas suas próprias palavras, a realizadora ficou surpreendida com as respostas positivas que recebeu até de pessoas muito famosas:

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“Todas as personalidades que convidei ficaram muito entusiasmadas e disponibilizaram-se a participar. Estava à espera de encontrar dificuldades para convencê-los, pensei que teria que lhes explicar porque era importante que participassem. Mas parece que o pedido vinha deles (...). Havia uma necessidade de se existir enquanto francês de origem asiática e fiquei muito surpreendida (...). Não imaginei que faria tanto barulho! Tive que responder a dezenas de entrevistas [depois da publicação do vídeo] até do estrangeiro. Eu respondi aos meios de comunicação chineses, americanos, britânicos, porque era algo novo... Nas redes sociais, atingiu 1 milhão de visualizações em 24 horas. Eu mesma sou jornalista, mas não previa isto. Significa que existe uma causa.” (Entrevista com Hélène Lam Trong, realizadora do vídeo, 2018.)

 

Como outras iniciativas, este vídeo online foi lançado após 2016, abraçando a oportunidade criada por um momento de raiva coletiva e um desejo comum de mudança. Estas iniciativas criam espaços de reflexão coletiva, bem como oportunidades para desconstruir estereótipos e desenvolver novos modelos de autorrepresentação de franceses de origem asiática.

 

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Hélène Le Bail & Ya-Han Chuang

Hélène Le Bail é investigadora do CNRS no CERI-Sciences Po Paris. A sua pesquisa centra-se nas migrações chinesas (para o Japão e a França) e nas políticas de migração com uma abordagem comparativa. Focando-se, especialmente, nas rotas femininas de migração (casamento, trabalho reprodutivo, trabalho sexual) e na mobilização, ações coletivas e participação política dos migrantes e dos seus descendentes. Ela coordena o grupo de pesquisa The Chinese population in Paris: identities and identifications under transformation (A população chinesa em Paris: identidades e identificações em transformação), financiado pela Prefeitura de Paris.

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Ya-Han Chuang é investigadora no INED, Paris. Há mais de dez anos que investiga a ação coletiva dos imigrantes chineses e acaba de publicar Une minorité modèle? Chinois de France et racisme anti-Asiatiques(“Uma minoria modelo? Chineses na França e racismo contra asiáticos”, em tradução livre) (editora La Découverte).

 

Juntas, elas dirigiram a edição especial do Journal of Chinese Overseas, “Chinese Xin Yimin and Their Descendants in France: Claiming Belonging and Challenging the Host Country’s Integration Model” (“Chineses Xin Yimin e os seus descendentes na França: reivindicando a pertença e desafiando o modelo de integração do país anfitrião”, em tradução livre), 2020.

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This article is part of the issue ‘Empowering global diasporas in the digital era’, a collaboration between Routed Magazine and iDiaspora. The opinions expressed in this publication are those of the authors and do not necessarily reflect the views of the International Organization for Migration (IOM) or Routed Magazine.

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