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Trabalhadores temporários no Canadá: Atravessando fronteiras em tempos de pandemia

VERONICA ALFARO  |  20 DE JUNHO 2020 - ATUALIZADO EM 30 DEJULHO 2020  |  EDIÇÃO 10  |  TRADUZIDO DO INGLÊS
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Em 15 de abril de 2020, 146 trabalhadores temporários do México desembarcaram em Vancouver, na Colúmbia Britânica. Esses trabalhadores agrícolas sazonais foram recebidos em um cenário diferente: um aeroporto quase vazio, máscaras, medidas de distanciamento social, e uma quarentena obrigatória de duas semanas em um hotel local com despesas pagas, antes de irem trabalhar em fazendas. No início da primavera, o governo canadense declarou que estes e outros trabalhadores estrangeiros temporários são essenciais para a economia canadense, permitindo-lhes atravessar fronteiras durante a pandemia da COVID-19. Centenas de outros trabalhadores agrícolas sazonais chegaram a Vancouver este ano. 

 

Durante a pandemia da COVID-19, no Canadá, como em outros lugares do mundo, os trabalhadores "essenciais" foram reconhecidos e aplaudidos como o setor da economia que mantém as cadeias de abastecimento funcionando sem problemas: trabalhadores da saúde, mas também funcionários de supermercados, funcionários de mercearias e prestadores de serviços. Porém, nem todos recebem o mesmo reconhecimento, na economia canadense altamente segmentada, aqueles que se encontram nos degraus inferiores da escada sócio-econômica forneceram a mão-de-obra invisível necessária para manter as cadeias de abastecimento e levar alimentos para as mesas da população canadense. 

 

Os trabalhadores agrícolas mexicanos há muito tempo estão associados à migração para a América do Norte. Milhares desses trabalhadores têm viajado regularmente para o Canadá desde 1974, como parte do Programa Federal de Trabalhadores Estrangeiros Temporários (TFWP). As maçãs, mirtilos e outras frutas e verduras que são alimentos básicos na mesa do consumidor canadense só são possíveis por causa dos trabalhadores que atravessam a fronteira todos os anos para trabalhar nas fazendas, ganhando salários mínimos, desde o plantio no início da primavera, até o final da colheita, enviando remessas para suas comunidades no México. No ano passado, os trabalhadores temporários preencheram mais de 50 mil vagas de empregos em fazendas, mas este ano, a pandemia tornou a mobilidade muito mais difícil, arriscada e regulamentada.

 

Esses trabalhadores, chamados de "petateros" (por causa das iniciais em espanhol do Programa de Trabajadores Agrícolas Temporários, ou PTAT), às vezes reclamaram de tratamento injusto, discriminação e a inflexibilidade nos contratos que os vinculam a fazendas específicas durante a estadia deles no Canadá. Depois que chegam ao Canadá, eles estão vinculados por um contrato com seus empregadores, que lhes fornecem moradia básica (geralmente em condições de aglomeração), mas dependendo da província, sem nenhuma outra vantage, como por exemplo, comida. Na Colúmbia Britânica, os empregadores não são obrigados a fornecer alimentos e bens de primeira necessidade aos seus trabalhadores. Os trabalhadores também têm que pagar por suas próprias passagens de aéreas. 

 

Mesmo antes da pandemia da COVID-19, os trabalhadores já faziam um trabalho essencial no setor agrícola. A mão-de-obra local nem sempre está disponível, ou é tão lucrativa quanto o trabalho temporário dos migrantes. Com a situação atual, algumas questões foram levantadas: os cidadãos canadenses estariam dispostos a fazer o trabalho árduo na agricultura? Estariam os desempregados dispostos e capazes de colher os alimentos que têm que chegar às mesas canadenses? Uma questão a ser pensada por muitos dos desempregados que solicitaram os benefícios temporários da COVID-19 (CERB). Até mesmo os estudantes, que estiveram em sua grande maioria desempregados nesse verão devido à retração econômica da COVID-19, não são considerados uma opção realista, pois o ensino acadêmico voltará em setembro, bem antes da época da colheita. Além disso, é improvável que os estudantes tenham motivação para aceitar empregos na agricultura ou na pecuária, já que o governo contemplou a implementação de ajuda federal aos estudantes para compensar pela perda de empregos no verão.

 

Devido às restrições de viagem por causa da pandemia da COVID-19, algumas fazendas canadenses não conseguiram encontrar os trabalhadores necessários a tempo para a estação, desde o plantio até a colheita. A mão-de-obra local muitas vezes não é qualificada o suficiente ou não está disposta a trabalhar em condições difíceis, nem pode ser treinada em tão pouco tempo. Em contraste, na província de Quebec os trabalhadores temporários foram reconhecidos como uma força de trabalho eficiente e qualificada. Deixados por conta própria, alguns agricultores se preocupam com as colheitas à medida que o verão avança. Anúncios em redes sociais procurando ajuda para colher frutas são freqüentes.

 

A Colúmbia Britânica, uma província cujo setor agrícola é altamente dependente de produtos agrícolas específicos, teve a sorte de permitir a chegada de trabalhadores sazonais, os “petateros” este ano. No passado, os trabalhadores mexicanos representavam 51% dos trabalhadores temporários (seguidos pelos guatemaltecos e jamaicanos). O Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA, atualmente em revisão), tem dado algumas vantagens tanto para os governos que enviam quanto para os que recebem. Ainda assim, a realidade é que o Programa de Trabalhadores Agrícolas Sazonais do Canadá (SAWP) dá aos trabalhadores pouca oportunidade para se movimentarem depois que chegam ao Canadá. Os trabalhadores temporários, principalmente homens, de preferência casados e com dependentes econômicos, não podem solicitar residência permanente no país. Eles são bem-vindos para trabalhar, mas com a condição de não ficarem. Os trabalhadores têm apontado que estão relegados a um mercado de trabalho de segunda classe: eles pagam impostos e contribuem para um sistema do qual não se beneficiam e para o qual não podem aspirar. Essas condições não mudaram com a pandemia.

 

Após a entrada dos trabalhadores temporários, e apesar das medidas preventivas para combater a propagação do vírus (como uma quarentena de duas semanas), já foram confirmados casos de COVID-19 em fazendas na Colúmbia Britânica e em outras partes do Canadá. Em Kelowna, Columbia Britânica, uma região conhecida por suas safras sazonais de 15 mil acres de cerejas, maçãs, peras, pêssegos, nectarinas, damascos e ameixas, uma fazenda tinha 14 casos de COVID-19 entre seus trabalhadores (o surto foi confirmado pela mídia depois de ter atingido o pico de 23 casos). 

 

Isso aconteceu apesar das medidas de distanciamento social que as fazendas foram forçadas a implementar para conter o vírus: proporcionando alojamentos limpos e higienizados, estações de lavagem de mãos desinfectados e permitindo que os trabalhadores fossem colocados em quarentena na chegada. As comunidades locais e organizações sem fins lucrativos fizeram esforços para alimentar os trabalhadores doentes enquanto estavam em quarentena, já que as fazendas na Colúmbia Britânica ainda não são obrigadas legalmente a fornecer alimentos aos seus trabalhadores temporários, nem a pagar pelos custos. Em outras partes do país, também houve surtos de COVID-19 em fazendas, chegando às centenas de casos. Oficialmente, a mídia noticiou a morte de um terceiro trabalhador mexicano em junho passado. 

 

A situação desencadeou apelos por medidas de proteção para os trabalhadores temporários vulneráveis: melhores condições de moradia, um ambiente de trabalho mais seguro e a possibilidade de poder defender os direitos dos trabalhadores de forma mais eficaz. Embora os trabalhadores temporários não estejam proibidos de ingressar sindicatos, eles não podem fazer mudanças em seus programas e contratos, tais como mudar de empregador se acharem que suas condições de trabalho não são seguras ou satisfatórias. 

 

Além disso, os trabalhadores rurais temporários são freqüentemente desencorajados a ingressar em sindicatos, uma questão que tem sido objeto de controvérsia entre vários atores nacionais e internacionais. Entretanto, há esperança de que o status essencial desses trabalhadores começará a ser reconhecido. O embaixador mexicano em Ottawa declarou que o fornecimento de trabalhadores temporários poderia ser cortado se nenhuma medida de proteção fosse tomada. Outras organizações de trabalhadores pediram mais proteção contra o vírus, chamando atenção para a situação precária dos milhares de trabalhadores nas fazendas.

 

Certamente, a pandemia da COVID-19 apresenta desafios únicos para mobilizar os trabalhadores através das fronteiras. Ela também torna visível os desafios e padrões de desigualdade e vulnerabilidade no mercado de trabalho canadense. Chegou o momento de ter uma discussão mais aprofundada sobre estas questões.

Veronica Alfaro

Dra. Alfaro é professora de Sociologia do Trabalho no Columbia College em Vancouver, Columbia Britânica. Ela mesma é imigrante, estudando a intersecção do trabalho, etnia e as diversas experiências de pessoas que se deslocam através de fronteiras.

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