Uso das redes sociais por migrantes nepaleses durante a pandemia
UPASANA KHADKA | 23 JUNHO 2021 | EDIÇÃO 15 | TRADUZIDO DO INGLÊS
Nepaleses impedidos de sair dos EAU fazem live no Facebook para contar suas histórias após não terem recebido apoio adequado das autoridades. Fonte: Kalim Miya.
Com uma razão remessas-PIB de mais de 25%, a migração internacional é crucial para a economia do Nepal. Todo ano, centenas de milhares de nepaleses emigram, particularmente para o Oriente Médio e Malásia para trabalhos de contrato temporário. Considerando que a pandemia evoluiu de forma diferente no Nepal e em países de destino, o uso das redes sociais por migrantes nepaleses pode ser visto sob duas lentes.
Primeiro, quando a COVID-19 impactou ao mesmo tempo os países de destino e o Nepal em 2020, as redes sociais ofereceram um meio para os migrantes “presos” no exterior buscarem informação e ajuda material de fontes formais e informais. Depois, em 2021, com uma segunda onda que devastou o Nepal enquanto a situação estava relativamente melhor em vários países de destino, as redes sociais permitiram aos migrantes oferecer apoio emergencial ao Nepal.
Primeira onda: países de destino e o Nepal simultaneamente impactados
Milhares de nepaleses no exterior ficaram impedidos de voltar devido às restrições de viagem e lockdowns provocados pela COVID-19. Muitos foram deixados no limbo por causa de perdas de emprego, contratos expirados e voos cancelados devido a proibições de viagens repentinas. Distanciamento social foi difícil em quartos apertados com banheiros precários compartilhados e refeitórios lotados. Isso, somado ao fato de que as taxas de infecção no Nepal eram baixas nos primeiros meses, fez o Nepal ser visto como relativamente seguro, o que aumentou a pressão para voltar para casa.
Em meio ao caos, as redes sociais foram fundamentais para os migrantes se conectarem não apenas com suas famílias em casa, mas também com redes de contato formais e informais no exterior. Elas forneceram uma plataforma para os migrantes expressarem suas preocupações e acessar informação atualizada sobre protocolos da COVID-19 para viagens, quarentena e distanciamento social em nepalês, assim como buscar apoio para comida e ajuda material de redes formais e informais. As páginas do Facebook das embaixadas e aquelas gerenciadas por grupos de migrantes nepaleses e líderes comunitários se tornaram recursos indispensáveis. Em páginas do Facebook e grupos de redes sociais (IMO, WhatsApp,Viber), pedidos de ajuda foram compartilhados e dúvidas respondidas. Embaixadas em capitais se organizaram em grupos de redes sociais para encorajar grupos de migrantes e líderes comunitários espalhados pelo país para fornecer comida e outros materiais de suporte. Governos de países de destino como o Qatar e a Coreia do Sul também concentraram esforços para transmitir informações de serviços públicos em nepalês através de plataformas de redes sociais com apoio de líderes comunitários nepaleses.
Um exemplo notável é um programa informacional semanal ao vivo no Facebook organizado pela embaixada no Nepal na Malásia. Oficiais da embaixada atualizam os nepaleses sobre informações importantes, enquanto respondem às suas dúvidas. Com embaixadas com equipes pequenas incapazes de dar conta do surto de ligações recebidas, esse programa facilitou a comunicação em duas vias com uma larga escala de migrantes. As redes sociais também permitiram aos profissionais médicos nepaleses nos países de destino oferecerem cuidado em “telemedicina” no idioma local mesmo quando não havia estrutura formal para serviços de consultas remotas.
Mesmo então, o apoio a migrantes era inadequado e só o volume dos problemas já era grande demais para ser superado. Curiosamente, migrantes impedidos de voltar dependeram das redes sociais para cobrar as autoridades. Ao recorrer a lives no Facebook para compartilhar suas histórias em resposta à apatia das embaixadas, eles levantaram a questão das realidades locais e o sistema de apoio insuficiente, o que estimulou o público e a mídia nepaleses a defender sua proteção e repatriação. Imagens que apareceram nas redes sociais se espalharam como incêndios e se tornaram marcos importantes da pandemia. No Kuwait, voos de repatriação de trabalhadores informais patrocinados pelo governo do Kuwait se atrasaram por causa das regras confusas do governo nepalês sobre voos de chegada. Nos EAU, um grupo de trabalhadores sem documentos abandonados pelo seu empregador não recebeu apoio da embaixada do Nepal. Em ambos os casos, essas tentativas desesperadas em lives do Facebook e a subsequente pressão pública levaram as autoridades à ação.
Outros migrantes ficaram receosos de compartilhar informação porque tinham medo de represálias. Migrantes compartilharam fotos de suas condições de moradia e trabalho em anonimato com ativistas e mídia. Entre eles, Yubaraj Khadka, do Top Glove na Malásia, foi demitido depois de ter sido identificado como o delator que vazou imagens mostrando a falta de distanciamento social no ambiente de trabalho.
Segunda onda: Nepal é um local crítico, enquanto vários países de destino principais, descontando a Índia, estão indo bem
O Nepal está abalado por uma segunda onda de COVID-19 que arrasou a infraestrutura de saúde. Migrantes em países de destino que interromperam o trabalho novamente recorreram às redes sociais para enviar ajuda ao país. Em uma campanha chamada “Vamos enviar oxigênio ao Nepal e salvar vidas”, os migrantes no Oriente Médio conseguiram levantar doações para centenas de migrantes na região para enviar 560 cilindros de oxigênio, uma vez que havia escassez do recurso no Nepal. De acordo com os coordenadores da campanha, as redes sociais permitiram o planejamento e execução dessa campanha.
Um longo caminho a percorrer
Apesar dos resultados gerados pelas redes sociais, restam lacunas.
Proibições de plataformas como o Facetime ou Whatsapp em múltiplos países do Golfo são um obstáculo. Em várias instâncias, o uso de telefones é restrito pelos empregadores, especialmente no caso de trabalhadores domésticos, devido à desconfiança e preocupações com privacidade e produtividade. Além disso, acesso a smartphones e internet pode ser difícil, e mesmo alfabetização funcional é um desafio. Há jeitos de contornar isso: alguns aplicativos de redes sociais têm opções de gravação de áudio para aqueles que não sabem ler, e muitos migrantes vivem em espaços compartilhados. No caso de setores isolados como trabalhadores domésticos, o boca-a-boca nas redes de contato pessoais ou migrantes nas vizinhanças, como em lojas que frequentam, podem ser importantes recursos para conectar com líderes migrantes ou autoridades relevantes. Mas muitos migrantes continuam a tropeçar nos obstáculos.
A disseminação de desinformação, incluindo fake-news incitando o medo, podem ser especialmente danosas durante situações de crise. Além disso, autoridades como embaixadas ainda precisam se dar conta do potencial total das redes sociais para envolver migrantes incluindo iniciativas tangíveis de conscientização ou programas de telemedicina. Por fim, enquanto as redes sociais permitem que os migrantes compartilhem suas realidades, o medo das repercussões em meio à vigilância elevada e preocupações com privacidade frequentemente impedem migrantes de se expressarem.
Apesar dessas lacunas na inclusão e acessibilidade das redes sociais, a pandemia colocou em foco o seu potencial de mudar a forma como os migrantes se comunicam com suas famílias em casa e com comunidades de migrantes onde estão instalados.
Upasana Khadka
Upasana Khadka é consultora do Banco Mundial sobre assuntos de mobilidade laboral na Ásia, e atuou previamente como Especialista em Consultoria Política/Migração no Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social do Nepal. Como colunista do Nepali Times (“Labour Mobility”), ela analisa tendências afetando os trabalhadores do Nepal no exterior e já escreveu do Nepal, Líbano e Malásia. Ela tem um mestrado em administração pública e desenvolvimento internacional da Kennedy School of Government, Harvard University, e um diploma interdisciplinar em Economia e Matemática do Reed College.
This article is part of the issue ‘Empowering global diasporas in the digital era’, a collaboration between Routed Magazine and iDiaspora. The opinions expressed in this publication are those of the authors and do not necessarily reflect the views of the International Organization for Migration (IOM) or Routed Magazine.