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Instagram: uma nova identidade para os descendentes da servidão por contrato

ARATRIKA GANGULY  |  23 JUNHO 2021  |  EDIÇÃO 15  |  TRADUZIDO DO INGLÊS

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‘Coolies’ no depósito de Paramaribo antes de 1885. Fotografia de Julius Eduard Muller, na Wikimedia Commons.

A servidão por contrato começou no subcontinente indiano em 1834, após a abolição da escravatura. Milhares de pessoas, principalmente das províncias centrais e orientais da Índia, foram enviadas para plantações coloniais dentro do país e para locais como a Guiana Britânica, a África do Sul, as ilhas Fiji, Malásia, etc. Estes trabalhadores receberam o nome depreciativo de ‘coolie’. A servidão por contrato explorava as pessoas em todos os sentidos. Os descendentes do sistema de servidão por contrato da Índia, ou seja, os descendentes dos 'coolies' indianos, hoje em dia estão instalados em diferentes partes do mundo.

 

A palavra coolie originalmente tinha origens diferentes. No período britânico, os trabalhadores eram frequentemente chamados de ‘coolies’. Era um termo racial negativo que aludia às pessoas que costumavam fazer trabalhos braçais ou de baixa remuneração. Vários dicionários definem 'coolie' como um trabalhador não qualificado empregado a baixo custo, especialmente quando era trazido da Ásia. Vários também o consideram um termo pejorativo.

 

Recentemente, os descendentes deste sistema de servidão começaram a criar um espaço para si próprios, onde retratam a sua cultura e a dos seus ancestrais através das redes sociais.

 

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Fig. 1. A definição de servidão por contrato.

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Fig. 2 Representação de um 'coolie' a fumar ganja.

 

As redes sociais são, atualmente, uma parte integral das nossas vidas. Não são apenas um meio de entretenimento, mas uma parte essencial da nossa vida. As pessoas podem partilhar, umas com as outras, conteúdos, fotos e vislumbres das suas vidas, sem os entraves dos limites físicos. 

 

O Instagram é uma plataforma importante para essa psique social coletiva, onde se tem uma espécie de 'vida digital' que se partilha com outras pessoas. 

 

Os descendentes da servidão por contrato são criadores de conteúdo e um público muito ativos. Contas como @jahajee_sisters (Fig.3.) e @thebgdiaries realizam regularmente eventos e fazem publicações sobre questões sociais relacionadas com a diáspora da servidão por contrato. Por outro lado, contas como@coolie_tings (Fig. 4) e @coolieconnections publicam memes que ajudam a confrontar a sua história violenta com um toque de humor.

 

Os hashtags são uma outra forma de encontrar conteúdos, de maneira fácil e rápida, sobre um tópico que nos interesse. No início, este estilo de agrupar os conteúdos por categorias foi usado no Twitter. Mas acabou por ser adotado por outras redes sociais, incluindo o Instagram. Alguns exemplos de hashtags populares para conteúdos sobre história da servidão por contrato e o panorama atual são: #coolie, #indenturelabour, #girmitiya e #indenturedservitude. No entanto, nem todas as publicações são sobre os 'coolies' do sul da Ásia, uma vez que muitas outras comunidades também foram forçadas a trabalhar como 'coolies'. Existem alguns usuários, como @breakingbrownsilence (Fig. 5) e @tessaalexanderart, que visam descolonizar a história e dar voz aos seus ancestrais através das suas contas pessoais. Quando os 'coolies' saíram da Índia em direção a outros países, eles levaram consigo os seus elementos culturais. Assim, alguns permaneceram e aculturaram-se à nova sociedade. A conta do Instagram @ cutlasspodcast revela-nos, entre outras coisas, numa das suas publicações de 21 de abril de 2021 (Fig.2), que um tipo de marijuana recreativa, com o nome indiano de ganja, pode ter chegado às ilhas das Caraíbas através dos ‘coolies’ indianos.

 

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Fig. 3. A conta de @jahajee_sisters.

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Fig. 4. Os memes tornam-se um meio de autoexpressão.

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Fig. 5. O Instagram torna-se uma forma de descolonizar a mente e dar voz aos descendentes da servidão por contrato, os 'coolies'.

 

No seu livro, Diaspora Theory and Transnationalism (“Teoria da Diáspora e Transnacionalismo”), o Prof. Himadri Lahiri descreveu a diáspora da seguinte forma: “O conceito de pátria muda com as novas gerações de pessoas da diáspora. A diáspora é um fenômeno que envolve o desenraizamento, forçado ou voluntário, de uma massa de pessoas da sua pátria e o seu ‘re-enraizamento’ no ou nos países de acolhimento.” A memória do país de origem permanece; no entanto, e em simultâneo, dá-se a assimilação cultural do país anfitrião, e as suas identidades assumem uma nova forma. As diásporas estão enraizadas numa realidade espaciotemporal específica. O mesmo se pode dizer a propósito da diáspora 'coolie'. Contas do Instagram como @theindenturehistory, @cutlasspodcast, @thebidesiaproject, @coolie.women, @jahajee_sisters (Fig.3) ajudam a encontrar a realidade espaciotemporal, e são um ponto de vista dos descendentes da servidão por contrato. Na época atual, a distância da diáspora deixa de existir graças à cultura visual do Instagram. Portanto, quando os utilizadores veem publicações da conta @muslimindocaribbeancollective (Fig.6.), sobre a marginalização das mulheres muçulmanas de ascendência indo-caribenha, podem ter uma experiência mais atraente e envolvente do que ao ler sobre o mesmo assunto através dos meios de comunicação tradicionais. Os utilizadores podem, ao fim e ao cabo, entender a identidade multilingue e pluricultural destas pessoas. Muitos descobrem as suas próprias origens vendo estas contas ou têm histórias familiares relacionadas com a servidão por contrato.

 

Estas contas ajudam-nos a criar arte, a relembrar a sua história, a criar uma identidade partilhada com outros descendentes da servidão por contrato e promovem intercâmbios transnacionais com pessoas de todo o mundo. Tornaram-se uma espécie de arquivo histórico da 'coolitude' e um meio de conexão entre as gerações passadas e atuais da diáspora.

 

O propósito de um mundo digital é podermos conectar-nos uns com os outros. O Instagram, enquanto plataforma visual, fornece-nos um meio em que podemos ver uma parte do 'outro', enquadrada na moldura de um dispositivo digital. Como o Instagram faz parte de uma cultura muito visual, tem uma maior repercussão junto dos seus utilizadores e públicos. Mesmo as pessoas que não têm um relacionamento pessoal com a diáspora da servidão por contrato, podem sentir algum tipo de conexão, já que a opressão subsiste de uma forma ou de outra, como acontece com os ciber 'coolies' que emigraram da Índia para várias partes do mundo. Alguns trabalhadores indianos migram como trabalhadores forçados (dentro da Índia) para trabalhar como operários de construção ou como empregadas domésticas ou, se tiverem pouca sorte, podem mesmo acabar vítimas do tráfico humano. Muitas mulheres e homens são regularmente persuadidos a migrar desde partes remotas da Índia com a promessa de que ganharão uma grande fortuna e, em troca, tudo o que obtêm é opressão. As contas do Instagram geridas pelos descendentes dos 'coolies' mostram-nos um vislumbre do passado, fornecendo-nos conteúdos como fotografias antigas de documentos, de família, de obras de arte, dos armazéns e entrepostos de 'coolies' e de outros edifícios e lugares históricos; e capturam a vida dos descendentes contemporâneos mostrando fotografias, pequenos vídeos, slogans, citações, memes e obras de arte de vários lugares do mundo. O meio virtual do Instagram dissolve a fronteira entre o país de origem dos seus antepassados e os seus países atuais, mostrando-os juntos num único espaço virtual. Consequentemente, a fronteira vai-se tornando mais porosa de dia para dia. 

 

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Fig. 6. A marginalização das mulheres muçulmanas indo-caribenhas.

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Aratrika Ganguly

Aratrika Ganguly está a fazer o doutoramento no Departamento de Língua e Literatura Indiana Comparada da Universidade de Calcutá. Atualmente, ela dá aulas, como professora convidada, em três faculdades da Universidade de Calcutá. Ela é cofundadora e coordenadora do Calcutta Comparatists 1919, um fórum independente para investigadores de Humanidades e Ciências Sociais. A área de pesquisa para seu doutoramento é os coolie e as suas migrações e a sua literatura. O seu interesse foca-se nas áreas do Sul da Ásia, Sudeste Asiático, literatura coolie, migração, narrativa feminina, estudos da performance e literatura africana. Ela completou um mestrado em Literatura Comparada pela Universidade de Jadavpur, Calcutá. Ela também trabalhou como bolseira do projeto UGC-UPE-II no departamento do CILL, na Universidade de Calcutá. Contate-a em: aratrikaganguly.95@gmail.com

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This article is part of the issue ‘Empowering global diasporas in the digital era’, a collaboration between Routed Magazine and iDiaspora. The opinions expressed in this publication are those of the authors and do not necessarily reflect the views of the International Organization for Migration (IOM) or Routed Magazine.

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