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A experiência da organização Manzoul no uso da tecnologia digital para apoiar a diáspora síria

JIHAD ALABDULLAH  |  23 JUNHO 2021  |  EDIÇÃO 15  |  TRADUZIDO DO INGLÊS

Jihad Alabdullah - Manzoul.png

Logo de Manzoul.

Depois de mais de um ano de coronavírus, descobrimos que há uma grande quantidade de mudanças que podemos fazer nas nossas vidas. É provável que estas mudanças estejam simplesmente à espera de um acontecimento que acelere a sua ocorrência.

 

As mudanças ocorridas afetaram todos os aspetos da vida: no trabalho, na escola e em casa. Em muitos países, as crianças permaneceram em casa, educadas nos seus lares, e o trabalho de muitos funcionários passou a ser remoto, com muitos enfrentando demissões ou a suspensão dos seus empregos. 

 

Com a aceleração dos acontecimentos, foram desenvolvidos muitos métodos digitais novos para se adequarem à nova situação. É provável que durem mais do que as políticas de distanciamento social do COVID-19. 

 

Organizações beneficentes e civis que atuam na vida pública também passaram por esta transformação, buscando incessantemente novas formas de trabalhar e de se adaptarem à nova realidade.


 

As iniciativas e atividades da organização Manzoul

 

A Manzoul foi criada pouco antes do surto do coronavírus e lutou para realizar atividades durante o avanço da pandemia e os respetivos confinamentos. Em primeiro lugar, a Manzoul organizou palestras interativas, através de plataformas digitais (como o Zoom), relacionadas com as preocupações relativas ao coronavírus, como lidar com o COVID-19, e a nutrição e uma dieta saudável.

 

Com o tempo, principalmente com os sinais de uma segunda vaga, a Manzoul amadureceu esta ideia e lançou pequenos projetos culturais e de serviços, alinhados com as suas políticas, interesses e objetivos. 

 

Esses projetos tinham como objetivo:

  • Prestar serviços a migrantes e refugiados na sua língua materna, o árabe, especialmente aos sírios em diferentes partes do mundo. Ele serviu-se do poder da tecnologia como uma solução para o distanciamento social imposto nos seus países, com, por exemplo, consultas remotas e aulas de árabe à distância para crianças.

  • Reduzir a carga e as consequências da pandemia do coronavírus e os seus efeitos sociais e psicológicos, com atividades culturais, artísticas e literárias.

 

Analisamos aqui dois exemplos de projetos que a associação realiza.


 

1) Projeto de aconselhamento médico e psicológico

 

Com o início da crise do coronavírus, notamos um aumento no número de perguntas médicas que nos foram enviadas, e também aos médicos no nosso entorno, relacionadas com o COVID-19 e outras doenças, visto que os pacientes muitas vezes não podiam visitar ou obter atendimento presencial com médicos e hospitais. Isto resultou das políticas rígidas relacionadas com o COVID, da sobrecarga do setor sanitário e do medo que os pacientes tinham de irem a consultas presenciais.

 

Organização do Projeto:

 

Um anúncio do projeto em árabe, incluindo os objetivos, o método para obter aconselhamento e o grupo-alvo, foi publicado no website da Manzoul, nas redes sociais e em grupos do WhatsApp e do Telegram.

 

Foi atribuído um número de WhatsApp para consultas, contendo um aviso sobre a qualidade do serviço, aconselhamento, forma de comunicação e a natureza do serviço como consulta e não como terapia. 

 

Depois de receber as consultas por escrito ou em áudio, o conselheiro envia um breve resumo do caso, geralmente de forma anónima. A pessoa recebe uma resposta num período de 48 horas para marcar a data da consulta, que se realiza no prazo de uma semana, em função da necessidade. 

 

Há um médico que supervisiona a receção das consultas pelo WhatsApp e depois as distribui aos outros médicos do grupo. A equipa é formada por três médicos de diferentes especialidades: um psiquiatra, um médico de família e um ginecologista. Também temos trabalhado com outros médicos de outras especialidades quando os assuntos não podem ser tratados pela nossa equipa, principalmente quando se tratam de doenças infantis ou subespecialidades.

 

A consulta inicia-se com o relato do paciente e, em seguida, fornecem-se conselhos, possíveis soluções e/ou uma explicação sobre uma determinada doença ou tratamento. Em muitos casos, aqueles que buscam aconselhamento são direcionados para os serviços de saúde especializados do país em que se encontram.

 

Durante a duração do projeto, nos últimos meses de 2020, a Manzoul prestou cerca de 50 consultas a pessoas (principalmente a sírios) em diferentes países, da Alemanha à Suécia, Arábia Saudita, Turquia e outros países de asilo. No início, a maior parte das consultas eram psicológicas. Com o início de 2021, o número de consultas aumentou e, no primeiro terço do ano, realizamos cerca de 50 consultas.

 

Dificuldades encontradas nas consultas:

 

  • Experimentamos algumas dificuldades menores, como interrupções na rede, durante as quais foram usadas mensagens de voz ou escritas.

 

  • O tempo limitado e a frequência das solicitações eram, muitas vezes, difíceis de conciliar com o nosso objetivo de realizar consultas completas (que não fossem rápidas nem superficiais). Para resolver este problema, os atendimentos costumam ser agendados durante o fim-de-semana, com até 30 minutos de atendimento.

 

  • Às vezes enfrentávamos a urgência de quem ligava para obter tratamentos como psicoterapia, que não podiam ser realizados por motivos legais e profissionais, ou para pedir receitas de medicamentos ou atestados e relatórios médicos relacionados com os seus casos.

 

  • Também tivemos que recusar pedidos de divulgação dos números de telefone pessoais dos médicos.

 

Pretendemos expandir este serviço com a utilização de meios como chamadas de vídeo, aumentando a equipe e as redes de comunicação envolvidas.


 

2) Iniciativa do Fórum Cultural da Manzoul

 

O Fórum Cultural é uma atividade cultural periódica que ocorre em plataformas digitais organizada pela Manzoul em cooperação com ativistas e outros interessados em assuntos culturais e públicos.

 

A iniciativa, na sua primeira fase, foi dedicada a uma região da Síria, Al-Qaryatayn, que é uma cidade no centro do país, nos limites da estepe síria, a Badia, da qual são originários vários membros da organização da Manzoul, que agora residem na Alemanha e noutros países. As atividades do Fórum incluíam falar sobre o povo da cidade de Al-Qaryatayn, sobre o seu folclore, o património cultural e os seus referentes passados e presentes.

 

Os objetivos da iniciativa são:

  • Restabelecer a comunicação entre as pessoas e famílias de um mesmo país que se encontram distribuídas ao redor do mundo através das tecnologias disponíveis.

  • Apresentar a uma geração criada no estrangeiro durante os últimos dez anos, o património cultural, e o ambiente e as personalidades ativas e reconhecidas do seu país de origem. O objetivo é mostrar aos jovens experiências de sucesso inspiradoras que os ajudem a construir o seu futuro.

 

Para a execução desta iniciativa, formou-se uma administração composta por cinco pessoas, incluindo três membros da associação e dois ativistas interessados em assuntos culturais e literários.

 

Desde março de 2021 até agora, o Fórum recebeu três convidados de Al-Qaryatayn, que vivem em diferentes regiões do mundo. No primeiro episódio, tivemos um convidado que viveu com a sua família na Jordânia durante anos, é professor de filosofia e trabalhou como professor e diretor do centro cultural em Al-Qaryatayn antes de migrar. Ele é uma das pessoas que continuou a trabalhar, a escrever livros, a ensinar os seus alunos e a orientá-los à distância

 

No segundo episódio, recebemos uma das figuras interessadas no patrimônio cultural. É um professor que trabalhou durante muitos anos na área da educação e continua a fazê-lo no seu país de acolhimento, o Líbano, apesar da sua idade avançada (acima de 70) e das condições difíceis que encontra por lá. O convidado escreveu um livro sobre Al-Qaryatayn e o seu folclore. Ele falou durante duas horas sobre o livro e o seu conteúdo na presença de cerca de 60 pessoas de diferentes partes do mundo, a maioria delas de Al-Qaryatayn.

 

O terceiro episódio contou com uma figura simpática e exemplar, um professor de Educação Física que atualmente vive no Golfo. Ele tem uma história importante, já que foi ele que estabeleceu as bases para o mais importante e popular jogo de futebol em Al-Qaryatayn. Além disso, ele pratica falcoaria como passatempo, o que o leva a viajar ao redor do mundo. O nosso encontro com ele apresentou a muitos jovens a história do seu país e o aparecimento do futebol, enquanto recordava belos e influentes momentos históricos.

O Fórum está a preparar mais cinco encontros com personalidades de Al-Qaryatayn interessadas em artes, património cultural, educação e trabalho humanitário, além de receber jovens que fizeram trabalhos de destaque nos países da diáspora. 

O Fórum Cultural é uma experiência nova e constitui um momento decisivo para o povo de Al-Qaryatayn, que teve oportunidade de conhecer figuras de referência da região, e de aprender e debater sobre o seu património cultural. Houve um feedback positivo do povo de Al-Qaryatayn e do povo sírio, que pediu que esta experiência fosse estendida a outras regiões, especialmente áreas rurais.

Estes são dois dos vários projetos realizados pela Manzoul, aproveitando a tecnologia moderna durante a pandemia do coronavírus; uma experiência importante, útil e aplicável noutros contextos.

 

Esperamos que estas atividades continuem para lá do fim da pandemia, dado o impacto positivo que tiveram e à oportunidade única de comunicação e de alívio do fardo da alienação proporcionada aos indivíduos da diáspora.

 

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Jihad Alabdullah

Jihad Alabdullah é psiquiatra e psicoterapeuta consultor do Departamento de Psiquiatria, no Centro de Psicoterapia para Psiquiatria Transcultural (ZtP, na sigla em alemão) e no Hospital Vivantes Humboldt. Também é membro da Sociedade Alemã de Psiquiatria e Psicoterapia (DGPPN, na sigla em alemão) e da Subseção de Psiquiatria Intercultural e Migração. Ele pode ser contatado através do endereço manzoul.ev@gmail.com.

Manzoul é uma organização não-governamental solidária, fundada em Berlim, em 2019, por sírios e alemães de origem síria. A organização trabalha para apoiar os sírios na sua integração efetiva na Alemanha e fornecer ajuda e apoio aos refugiados e pessoas deslocadas vivendo na Síria e nos países vizinhos.

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This article is part of the issue ‘Empowering global diasporas in the digital era’, a collaboration between Routed Magazine and iDiaspora. The opinions expressed in this publication are those of the authors and do not necessarily reflect the views of the International Organization for Migration (IOM) or Routed Magazine.

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